Crime de racismo contra judeus em rede social deve ser julgado pela Justiça Federal

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que compete à Justiça Federal julgar a conduta delituosa de divulgar pelo Facebook mensagens de cunho discriminatório contra o povo judeu, por estar configurada potencial transnacionalidade do crime, uma vez que o conteúdo racista veiculado na rede social é acessível no exterior.

“No caso dos autos, diante da potencialidade de o material disponibilizado na internet ser acessado no exterior, está configurada a competência da Justiça Federal, ainda que o conteúdo não tenha sido efetivamente visualizado fora do território nacional”, afirmou o relator, ministro Joel Ilan Paciornik.

O conflito de competência foi instaurado entre o juízo de direito da 1ª Vara Criminal do Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba – suscitante – e o juízo federal da 9ª Vara Criminal da Seção Judiciária de Minas Gerais – suscitado.

Investigaç​​ão

O caso começou a ser investigado em 2015, quando o juízo federal determinou a quebra de sigilo cadastral e telemático de usuários do Facebook para esclarecer crimes de divulgação de conteúdo racista, por meio de comentários postados no perfil denominado “Hitler da Depressão – a todo gás”.

Em novembro daquele ano, o juízo federal determinou a remessa dos autos para a Justiça estadual de Minas Gerais.

Após diligências junto ao Facebook e às operadoras de telefonia, o Ministério Público de Minas concluiu que o crime se consumou em Curitiba, razão pela qual solicitou o encaminhamento do processo com urgência àquela comarca.

Em janeiro de 2019, o juízo da 1ª Vara Criminal do Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba, com base no julgamento do Recurso Extraordinário 628.624 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), suscitou o conflito de competência no STJ, alegando se tratar de um caso federal.

Internaciona​​l

Segundo o ministro Paciornik, a investigação mostra ser incontestável que o conteúdo divulgado no Facebook, na página “Hitler da Depressão – a todo gás”, possui conteúdo discriminatório contra todo o povo judeu, e não contra pessoa individualmente considerada.

O relator explicou que, na época em que tiveram início as investigações, não havia sólido entendimento das cortes superiores brasileiras acerca da configuração da internacionalidade de mensagens postadas no Facebook. Todavia, afirmou o ministro, o tema – de repercussão geral reconhecida – foi amplamente discutido no RE 628.624, e o entendimento adotado pelo STF passou a ser seguido também pelo STJ.

“Muito embora o paradigma da repercussão geral diga respeito à pornografia infantil, o mesmo raciocínio se aplica ao caso concreto, na medida em que o acórdão da Suprema Corte vem repisar o disposto na Constituição Federal, que reconhece a competência da Justiça Federal não apenas no caso de acesso da publicação por alguém no estrangeiro, mas também nas hipóteses em que a amplitude do meio de divulgação tenha o condão de possibilitar o acesso”, esclareceu.

Aplicando o entendimento ao caso em julgamento, o ministro disse ser possível reconhecer a competência da Justiça Federal, ainda mais porque a conduta de racismo está prevista em tratado internacional ratificado pelo Brasil, e as mensagens postadas podem ter produzido efeito no exterior.

Terceiro ju​​ízo

Joel Paciornik observou que, pela singularidade do caso e pelo fato de as diligências apontarem que as postagens racistas partiram de usuário localizado em Curitiba, é necessária a fixação de competência de terceiro juízo, que não figura no conflito em julgamento.

Ele explicou que as perícias realizadas quando os autos se encontravam em Belo Horizonte concluíram que as postagens partiram de Curitiba, e que o artigo 70 do Código de Processo Penal preceitua que a competência é determinada pelo lugar em que se consumou a infração.

“Considerando que o Brasil é signatário de Convenção Internacional sobre Combate ao Racismo; considerando que os agentes utilizaram meio de divulgação de amplo acesso no exterior e que as postagens partiram de usuário localizado no município de Curitiba, entendo estar configurada a competência da Justiça Federal da Seção Judiciária em Curitiba”, concluiu o ministro.

Fonte STJ – Processo: CC163420